DO MARACANÃ
Ao meu amigo Fábio, flamenguista de raiz mas com capacidade e autonomia para pensar. O Flamengo é um fenômeno que não tem comparação e nunca ou dificilmente se repetirá. Eu sou testemunha ocular da história. É verdade que os acasos sempre o ajudaram a crescer. Todos sabem que um pedaço do Fluminense, portanto da elite, se rebelou por razões de egoísmo e se separou do clube, nem sei se se demitiram ou apenas criaram um caminho próprio para dar vazão a suas vaidades. Eram também remadores, que na época era esporte de elite. Ou seja, o Flamengo de raiz é elite. Hoje ele domina a faixa da tecnocracia das grandes empresas e serviços públicos, de alto poder aquisitivo e mais, forte prestígio junto aos poderes da república, construído desde o final dos anos 70, no auge de poder da Rede, quando fazia e desfazia presidentes e ocupava com suas novelas todo o território nacional. Decidiram pegar o Flamengo, que potencialmente correspondia aos requisitos do projeto e fizeram um acordo, mais na prática que nas regras jurídicas. Interessava à Globo multiplicar sua audiência pra ganhar mais na publicidade. Com um time forte, com os grandes animadores (que eles faziam, como afirmava o representante da Time Life nas suas memórias) e a capacidade técnica de cobrir todo o território nacional eles surfaram na audiência e faziam a cabeça da maioria da população. Como os produtos de caráter nacional eram de menor valor, não os objetos de luxo, encaixaram a cabeça da população mais pobre com algum poder aquisitivo, sabonetes produtos de limpeza, supermercados populares etc. E programas como Casamento na TV e O Povo na TV (algo assim)
Foi difícil penetrar no miolo do clube (já ocupado por oportunistas etc)
e penaram um tempo até acertar com executivos de grandes empresas púbicas. E
dispararam no IBOPE com programas populares de baixo nível, depois de um começo
de melhor qualidade. (a ser continuado)
DO MARACANÃ (Continuação de texto anterior) A aposta da Rede Globo
estava feita em 1979 e a equipe do Flamengo foi discretamente reforçada, mas
não podiam correr riscos. O pacote incluía assegurar todos os pontos frágeis,
tribunais esportivos, árbitros, uma avaliação dos concorrentes... O maior risco
era o Atlético Mineiro que tinha o melhor jogador em atividade no país,
Reinaldo, embora já um pouco debilitado de tanto levar porrada de beques
brucutus. Zico era a grande promessa que foi muito trabalhado internamente para
romper sua condição física pouco atlética. Internamente o setor de marketing da
Rede foi encarregado de fazer o marketing do Flamengo e os anunciantes ganhavam
o compromisso de compartilhar. A Varig era um tipo de principal patrocinador. A
Globo dava banho em tudo por onde andava. E foi organizar a casa flamenguista,
contando com recursos e condições superiores. O chefe de Marketing da Globo foi
prestar serviços no Flamengo, com sua equipe. Na campanha pelo Torneio da
Toyota em Tókio, que seria a primeira experiência de decisão num só jogo,
(antes se faziam dois jogos, um na América Latina e outro na Europa ampliada) o
marketing já estava ativo. Não gozava de patrocínio da FIFA, era um torneio
patrocinado e organizado particularmente por empresários. Um projeto, estilo
global, foi apresentado à Varig, o Torneio de Tokio nas asas da Varig, Varig,
Varig. Eu conheci por acaso o responsável da Varig no grupo e o entrevistei no
aeroporto de Lima, no Peru.
O Atlético vinha de várias disputas com o Flamengo e era páreo duro,
ganhava e perdia. Mas esse risco não podiam correr. O prejuízo seria tremendo,
imaginem.
Se a gente pensar, o que o Flamengo chama de mundial era inferior ao
torneio de Paris ganho pelo Vasco em 1977 em Paris. (a ser continuado)
DO MARACANÃ III (continuidade) O jogo com o Atlético era lá e cá. A
experiência com o Brasileirão não dava garantia de resultados. Em consequência,
a classificação para a Libertadores também não dava garantia, o Atlético era
imprevisível, tinha o melhor jogador da época, o Reinaldo. E o Zico não estava
ainda no auge. O terceiro jogo foi necessário e tiveram de fazer em campo
neutro, em Goiás. O Projeto Globo x Flamengo x Varig ser decidido num só jogo
onde tudo pode acontecer? Pois é. Aconteceu o que nunca mais aconteceu. O
árbitro foi bem escolhido, José Roberto Wright tinha boa imagem. (É meu
vizinho, boa praça, vamos juntos à praia, mas nunca provoquei o assunto, nem
ele abriu o jogo). A partida ficou muito tensa e de muitas faltas duras mútuas
(mas não era o Cobreloa que seria demonizado?). O árbitro se viu de repente
envolvido num polvorinho. Nunca saberemos se havia algum acordo, mas era com o
Flamengo, então não se sabe, claro. No lance de tirar de campo o primeiro que
fizesse uma falta, naquela altura ninguém acreditava. Mas logo o Reinaldo, o
craque do jogo, fez um falta lateral no Zico, que rolou como até hoje o
Flamengo rola. O juiz não teve a sensatez de entender que estaria decidindo o
jogo, não era falta para expulsão, mas ele, tenso (para lhe dar crédito) botou
o Reinaldo para fora. Não houve mais jogo e o Flamengo foi classificado. Podia
botar uma estátua para o Wright na porta da sede, mas pelo menos o convidaram
para ser comentarista de árbitros das transmissões da Casa.
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