quinta-feira, 12 de junho de 2008

O FIM DO EMPREGO

Não custa repetir que a mundialização da economia e a revolução tecnológica são responsáveis diretas pelas grande transformação que se dá no mundo do trabalho. Isso para ficar no assunto que nos interessa, porque na verdade os efeitos se traduzem em todas as dimensões da vida humana.
A sociedade tem estado, nos últimos 50 anos, pautada por uma forma de estruturação que tem na ética do trabalho seus fundamentos essenciais. O trabalho tem sido um componente estratégico da organização social. Todos os elementos dessa ordenação vieram de um modo de produção que valoriza três ingredientes: matérias-primas abundantes, mão-de-obra barata e produção em escala.
Como sabemos, essas vantagens estão perdendo alento com a nova lógica de produção. Na verdade, há uma completa subversão de um pacto social do trabalho que vinha administrando as relações sociais até a atualidade.
A longo termo o trabalho continua sendo um componente imprescindível da equação social, mas o seu efeito foi mediatizado pela intensa incorporação tecnológica e pelo grande espaço alcançado pelas intermediações econômicas e financeiras.
Essa tendência é própria do modelo de produção vigente que tem no declínio do fator trabalho um resultado inerente à sua lógica principal. Mas a velha fórmula de que a economia precisa de produtores e de consumidores persiste e esse trabalhador excluído do processo produtivo hoje, terá de ser recuperado em algum ponto do sistema econômico, mais adiante, como consumidor. A globalização tem permitido uma transferência no tempo e uma transposição no espaço, através da ruptura das fronteiras nacionais. Isto tem dado aos produtores a possibilidade de prescindir do consumidor imediato, mas esse círculo terá de se fechar em algum momento, quando os outros produtores de todos os países também exigirem consumidores extra-territoriais. Essa equação não tem prazo, mas terá de ser concluída, por sorte para a humanidade.
A OIT defende a possibilidade do pleno emprego, tomando esse conceito de uma maneira mais ampla que inclui o auto-emprego e uma taxa razoável de disponibilidade ou mobilidade. Medida a chance de emprego pela quantidade de horas trabalhadas no mundo, a equação se apresenta positiva, ou seja, o trabalho continua crescendo. As dificuldades se agravam com a modificação ocorrida na oferta de mão-de-obra, pela assunção do âmbito familiar como unidade produtiva de referência. De fato, o critério de atendimento a necessidades mínimas foi reavaliado não mais em função de um chefe de família responsável pelo orçamento doméstico, mas de toda uma família trabalhando. Embora inquestionável, isso contribuiu para precarizar os salários, trazendo dificuldades adicionais à questão do emprego.
Enfim, se a massa de trabalho continua crescendo, dificilmente se pode imaginar o fim do emprego. O que está obviamente entendido é que o emprego muda drasticamente de perfil. Resta então imaginar como irá configurar-se o novo paradigma nas relações do trabalho. O cenário que se apresenta, atualmente, é o de uma realidade em transformação e não permite uma fotografia de contornos definidos. O que muda significativamente no emprego, com o novo modelo de produção flexível, é o papel da produtividade. Vista com talvez justa desconfiança pelo sindicalismo no passado, a produtividade passa a ser o elemento essencial da nova estratégia. Se antes, no modo de produção com mercado cativo os aumentos salariais e outros benefícios conquistados pelo trabalhador podiam ser transferidos folgadamente aos preços, em um mercado ativo essa compensação encontra mais dificuldade, em função da competitividade a que supostamente as empresas passam a ter no novo modelo econômico.
Setores hoje considerados marginais ou informais não podem mais ser tomados como resíduos do sistema. Ao contrário, estão se tornando a nova onda e portanto há necessidade de delinear-se esse novo cenário para a adoção de medidas de política ativa que possam promover uma justa distribuição dos papéis e dos benefícios na nova sociedade.
Existe, por outro lado, um crescimento do chamado terceiro setor, onde se movimentam atividades não remuneradas e de forte satisfação pessoal. As tendências de envelhecimento da pirâmide social obrigam a considerar a necessidade de um montante em torno de 10% da população ativa passe a uma etapa de desaceleração do trabalho, que não significa necessariamente a parada total. O trabalho poderia ir diminuindo de horas e os salários compartidos entre sistemas de seguridade e empresas.
Está claro que as forças econômicas por si mesmas não gerarão um novo modelo com justiça social. O puro crescimento da economia não é condição suficiente para distribuir a riqueza. É papel do Estado administrar o interesse público, intervindo nesse processo de modo a assegurar uma melhor distribuição de renda, necessária para instalar o equilíbrio social.
Em resumo, o destino do emprego depende de uma ação do Estado, mas está sobretudo nas mãos da própria sociedade, desde que as elites não se isolem do interesse público e participem de esforços integrados para alcançar um novo pacto social no campo do trabalho.

Publicado no JB em 14/02/97

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