segunda-feira, 19 de maio de 2008

NOÇÕES DO RISCO A noção de risco precisa ser repensada. Historicamente, o risco faz parte da livre iniciativa do capital e corresponde à contrapartida do lucro. Boa parte da mais-valia se justificaria no sistema capitalista pela necessidade de remunerar o risco. Ocorre que na lei da selva, própria das benesses outorgadas ao capital como dono da casa, o empreendedor busca por todos os meios reduzir ou mesmo anular os riscos de seu investimento. Há pouco se pôde ver, na prática, o resultado de uma dessas benesses obtida no processo de privatização pelas grandes empresas do setor elétrico. As dificuldades sofridas com as perdas de capacidade energética e em conseqüência com a redução do consumo, foram abonadas pelo governo e portanto pela sociedade.Aquela fórmula já repetitiva e cansada, mas não menos exemplar de privatizar os lucros e socializar os prejuízos. Agora se fala de introduzir o risco na vida laboral. “O risco vai se tornar uma necessidade diária enfrentada pelas massas, imposto em função da instabilidade das organizações flexíveis” (Sennett op.cit. p.94) Como se irá remunerar o risco do trabalhador? Se por um lado a rotina de trabalho era apontada como indutora de docilidade e resignação, no condenado modelo fordista, por outro lado ela estava associada a certa estabilidade de vida para o trabalhador. Aspirava-se, e a educação trabalhava com essa perspectiva, por uma carreira, mesmo horizontal, que cobriria grande parte da vida produtiva dos indivíduos. Alguns pensadores até consideram que a rotina não é de todo uma coisa ruim. “Decompor o trabalho, mas compor uma vida”. (Sennett op.cit. p.49) O trabalho repetido poderia ser até mesmo criativo, é quando se domina uma tarefa que se coloca a possibilidade de a melhorar. Giddens alerta para a irracionalidade de uma vida sem condicionamentos e acrescenta que os hábitos que se domina são os que se oferecem para testar alternativas. (Sennett op.cit. p.50). Alguns autores destacam o fim das ilusões sobre a possibilidade de mudanças revolucionárias. A revolução teria sido trocada pelos benefícios de uma participação mais substantiva no espaço público e na distribuição da riqueza proporcionada pela - esta, sim - revolução tecnológica. A ascensão da social-democracia seria a expressão mais autêntica dessa nova postura dos ex-insurgentes. Citando Bernstein, Méda registra que a social-democracia, assumindo-se como uma ideologia não-marxista, adota método de ação que não pretende mais a reversão das instituições políticas e sociais do capitalismo, mas ao contrário, se propõe “uma longa marcha através das instituições”. (Méda op.cit. p.131) A autora completa mostrando alguns equívocos dessa posição, que teriam sido igualmente apontados por Marx: a) o reconhecimento das relações de trabalho como pauta para uma liberação futura do trabalho; b) crer poder tratar dos problemas de repartição da riqueza sem indagar sobre as respectivas posições no processo produtivo; A sociedade constrói um terreno frutífero para a iniciativa privada, que precisa também de um trabalhador “livre”, em condições jurídicas e em regime de necessidade econômica, no ponto para demandar um lugar no mercado de trabalho. A empresa se coloca como um momento de conciliação desse jogo. Mas a empresa está se tornando “flexível”, leve e ligeira, em trânsito. A empresa antiga se pretendia uma comunidade de trabalho, a empresa flexível se define como “um arquipélago de atividades relacionadas”. (Sennett op. Cit. p.22) Que espaço poderá o novo trabalhador ocupar nesse novo e desbordante cenário?
CRISE SISTÊMICA

Os sucessivos governos – federais, estaduais e municipais – somando ineficiências e despreparo, vêm perdendo oportunidades, realizando trabalhos provisórios, mal concluídos ou inconclusos, acumulando ônus, perdas e dívidas, cujo custo, em última instância, é assumido compulsoriamente pela sociedade brasileira. Déficits que obrigam os novos governos sem criatividade administrativa e sem força política a valer-se de aumentos e duplicação de impostos e taxas de toda ordem. Essa dívida tem-se traduzido em estradas mal cuidadas, professores mal pagos, saúde pública enferma, capacidade de poupança do país arruinada e classes médias sufocadas. Os economistas neoliberais de plantão no governo fazem simplesmente a recorrente receita dos organismos financeiros internacionais e mantêm o compromisso de não mudar nada para que o sistema financeiro continue acumulando lucros descomunais. Os economistas petistas, preocupados com a biografia, fazem crítica acanhada, certos de que não serão levados a sério, e logo se acomodam nos gordos empregos. Ninguém estranha um desemprego que varia em torno de 13%.
Enquanto isso as classes médias, sem expectativas e horizontes, saem para os pequenos delitos, as espertezas marotas e as inadimplências anunciadas, formando no conjunto da obra uma corrente viciosa de transgressões da ética e dos preceitos do bem-estar-social.
E as chamadas classes populares estão satisfeitas com os subsídios sociais, o crédito facilitado através de inúmeras fórmulas e os preços contidos da cesta básica, mas continuam com suas estratégias de sobrevivência, já históricas, que se ajustam às condições impostas pela informalidade e o convívio intermitente com o estado policial.
As cadeias e os centros médicos estão lotados e o sistema de previdência onerado. Não são problemas isolados, o país vive uma inequívoca crise sistêmica, em que as perdas e deficiências, de um lado, vão pesando no desempenho, em outros lados. Comecemos por saúde e educação. Um povo bem educado, desde o pré-natal, passando pelo jardim de infância e educação de base, vai saber cuidar melhor da saúde e preservar o ambiente, na certeza de que se estará beneficiando em saúde e prazeres, vai respirar melhor, vai ter menos contágios etc. Tendo melhor saúde vai render mais na escola, vai aprender mais fácil e não vai faltar às aulas por resfriados e malária. Vai custar menos também para o estado e para a família, porque não vai gastar tanto em remédios e em reforços escolares e repetências.
Se o estado economiza em gastos marginais, vai poder melhorar a qualidade da escola, dos equipamentos e salários. Os cidadãos, mais educados e menos enfermos, vão ter melhor desempenho no trabalho e vão elevar a produtividade das empresas, o que por sua vez vai possibilitar aumentos salariais e investimentos em ampliação, de novo puxando o emprego. Novos empregos geram mais capacidade de consumo, mais estímulos à produção, maior arrecadação de impostos sem necessariamente sua elevação. Menos enfermos e mais saúde, as pessoas desoneram os serviços, e os planos de saúde não terão argumentos para continuar elevando preços. Cidadãos felizes se mantêm em atividade e não se tornam inativos precipitadamente, trazendo mais alívio aos sistemas previdenciários. Se as pessoas são mais educadas, podem se informar melhor e compreender melhor a complexidade da vida moderna, e votarão melhor, e cobrarão dos seus representantes o respeito às promessas. Se a sociedade enxerga melhor vai exigir transparência dos serviços e dos investimentos, e haverá maior produtividade do gasto público. Com mais recursos e legitimidade, o serviço público poderá oferecer melhor educação e saúde. E voltamos ao começo. Mas não adianta fazer remendos ou atacar uma ilha no oceano. Os administradores da coisa pública não têm mostrado, historicamente, vocação para estadistas, pessoas que olham o interesse da sociedade e projetam obras e serviços que passam dos estreitos limites de seus mandatos. Nunca se pôde explicar como surgem gerações virtuosas de dirigentes da coisa pública, parecem ser produtos do acaso, o que não nos autoriza esperar que nosso país será contemplado, aquela estória de Deus ser brasileiro. Um país virtuoso teria maiores consensos e transparência o que significa prestar contas, explicar. E aí começam as dificuldades, e voltamos ao começo, sempre voltamos ao começo e sempre apostamos no futuro desligando do presente. Um dia teremos de começar de fato, e não importa por onde, desde que o envolvimento seja como a crise, sistêmico. Os sistemas são criações intelectuais elaborados para facilitar a compreensão e explicação da realidade. Mas seus efeitos existem independentemente de nossa capacidade de apropriá-los com nossos modelos.


João Carlos Alexim
Sociólogo

(maio de 2003) (revisão: setembro 2006) (revisão: junho 2007) (última revisão: abril 2008)