por JCA
Já muito se tem falado sobre o
novo vírus que se desprendeu da China e inunda o mundo de forma inesperada,
embora previsível. Agora que o fato se instala, vemos em diferentes fontes que
não faltaram advertências sobre essa possibilidade.
Fato: missão americana para
fiscalizar encomenda feita pelos Estados Unidos a um laboratório na China, não
sabemos com que proposito, constatou que havia falhas de segurança e recomendou
medidas corretivas. Nada foi feito de ambas as partes.
Essa mania chinesa e de outros povos
orientais de pesquisar e até se alimentar de bichos estranhos a nossa cultura
tem sido visto com curiosidade, mas sem seriedade. Não é a primeira epidemia
brotada dessa prática. E parece que não será a última.
A guerrinha entre as duas
potências mundiais não teria importância não fossem as repercussões para o
resto do planeta. O egocentrismo de ambas é inaceitável, mas não podemos fazer
nada a respeito. As grosseiras falhas e
vícios do capitalismo de livre mercado levaram por concorrência desleal e oportunismo
empresarial a essa distorção absurda de concentrar a riqueza comercial nas mãos
da China. O preço que estamos todos
pagando neste momento é infernal, com enorme custo de vidas em todas as partes. A responsabilidade da China pelo desastre é
inquestionável, mas a quantidade de acumpliciamentos deixa um rastro profundo
no resto do mundo.
Infelizmente a culpa tem sido
jogada na democracia e nas liberdades democráticas, inclusive nas formas
políticas de representação. Acusação infundada, claro, o mal não está no
sistema, que não tem substitutos melhores, mas na vigência de dois vícios
poderosos: os economistas liberais e neoliberais, e a vida política das nações,
ocupada por estamentos familiares e cultura destorcida do conceito da coisa
pública. A sociedade democrática é por
definição uma instituição frágil, que depende de consensos difíceis de lograr,
o que abre espaços para oportunismos autoritários e viciosos. Mas não existe um sistema melhor no mercado
do desenvolvimento humano e do processo civilizatório.
Na verdade, a democracia foi
violentada pela globalização desenfreada e mal interpretada que abriu mercados
para os mais poderosos que dividiram o mundo a seus interesses distribuindo
funções secundárias para países fornecedores de matérias primas e importadores
de produtos industrializados. Em nome dessa globalização imposta de cima para
baixo, países menos fortes politicamente se voltaram para explorar e destruir
seus bens naturais de valor econômico episódico e abdicaram de economias substantivas,
robustas e sustentáveis, que poderiam gerar empregos saudáveis e uma vida
humana mais confortável e qualificada e se tornaram subsidiários do mundo
globalizado a sua revelia. A riqueza
produzida por esse modelo foi concentrada em meia dúzia de nações e numa classe
de empresas multinacionais, donas das transformações científicas e
tecnológicas. O que as novas tecnologias puderam gerar em riquezas foi
concentrado como nunca antes nas mãos de entidades institucionais
superpoderosas, acima dos países e das organizações internacionais coletivas.
Com objetivos puramente
explorativos, dominadores e imediatistas, essas entidades sabotaram quaisquer
esforços dirigidos à conservação do planeta Terra. E criaram uma ideologia à sua feição que faz
do individualismo e do livre arbítrio recursos espertos de argumentação
distorcida dos próprios conceitos. Como em toda ideologia os prejudicados são seduzidos
por astutas armações que fazem parecer seus interesses coincidentes com os
verdadeiros interesses das entidades poderosas, quando devia ser o contrário.
A China se aproveitou das crenças
equivocadas na liberdade de comércio e de transações e entrou de sola no
mercado mundial violentando todas as regras de direitos trabalhistas e
concorrência internacional. Usou seu momento histórico de inauguração de novo modelo
político rompido com o maoísmo e voltado para as oportunidades de crescimento
internacional, considerando suas dimensões continentais e sua cultura
acostumada à obediência ancestral. Os
organismos internacionais foram apanhados de surpresa e não souberam como
reagir às violações de regras recém forjadas na implantação de sua novidade
encantada do neoliberalismo. Como podiam condenar a China se defendiam a
liberdade total de mercado? Os limites disso estavam e ainda estão indefinidos.
No começo os produtos chineses eram mal vistos e por isso tolerados, mas aos
poucos foram convencendo aos consumidores menos exigentes e de menor poder de
compra. Logo foram subindo de patamar e hoje são dominantes em todos os
sentidos. Mesmo Trump cedo se deu conta que seu país estava nas mãos da China e
suas empresas e empregos haviam migrado para o oriente. Não estavam perdendo
apenas no sentido econômico, mas na soberania.
Se assim estão os Estados Unidos,
que diremos do resto do mundo? A
concorrência desleal, obtida pelos baixos custos de produção, onde os baixos
salários e as reduzidas condições de trabalho contavam, forçou países que tinham economias equilibradas e podiam
pagar bons salários e manter sistemas de saúde e previdência qualificados, a
começar a desmontar suas instituições sociais e o bom trato da coisa pública.
Sobretudo entre os países europeus, que eram exemplos de boa administração e
sistemas sociais civilizados.
O mundo capitalista, concentrador
de riquezas e explorador do trabalho se alegrou com as primeiras experiências
de embarcar justificadamente na redução de benefícios de seus trabalhadores,
mas logo se viram numa condição subalterna insustentável porque o modelo de
exploração e geração de renda estava fazendo água. Foi o que estávamos enfrentando como crise
econômica e financeira até há pouco tempo.
Não preciso replicar como um
surto, mal entendido, foi se transformando numa epidemia e logo nessa onda
apocalíptica que está arrasando o lado de cá, o lado estritamente capitalista
do mundo.
O vírus em si é uma pérola, tem
uma falsa debilidade, envolto numa frágil esfera de gordurinha, indefeso,
modesto. Mas se colocado frente a nossas defesas já gastas pela idade ou pelos
maus costumes e má distribuição de renda, se deixa penetrar pelas células de
nosso corpo e nesse ambiente se fortalece e se multiplica de forma voraz.
Ele é perfeito porque é
dificilmente identificado e visível, não tem
um tempo certo de vida, se agarra a qualquer superfície, pode ficar um
tempo no ar depois de um espirro ou mesmo uma respiração mais forte, não apresenta
sintomas nos primeiros dias mas já é contagioso, o que obriga a um esforço
notável de prevenção, um gasto de energia às cegas, e se mostra com um poder
letal avassalador. Ele é superior a seus coleguinhas já habituais em nosso
convívio desnaturado.
Ele é fortemente darwiniano,
atinge mais os menos aventurados, de saúde precária ou de desgaste físico pelo
tempo de vida. Um sacana de merda que permite a proteção dos mais ricos e mais
bem alimentados.
E por ser perfeito em suas
intenções e destinações, ele não pode ser um produto da natureza. Apesar da
lenda de perfeição, a natureza é imperfeita, ela se deixa tocar decisivamente
pelo ser humano, ela depende de condições atmosféricas e ambientais e seus elementos estão sempre em conflito, morrendo e renascendo. Só em laboratório se pode criar um objeto com
tamanha competência. A corrente científica tem atestado que não parece criação
de laboratório, mas não tem certezas e não quer depreciar o trabalho de
pesquisa, que, é verdade, faz mais bem do que mal à humanidade.
Estamos todos ou quase todos de
quarentena, mas cada quarentena é uma quarentena. Muitos estão em suas ilhas
paradisíacas, nos seus sítios e fazendas esperando a praga passar. Muitos
contam com recursos técnicos e médicos de qualidade à disposição para se acaso,
Muitos outros estão amontoados em pequenos ambientes mal preparados e mal cuidados.
Muitos estão obrigados a trabalhar por dever de ofício ou ameaça de dispensa.
Há todo tipo de quarentena ou meia quarentena. Não por culpa do vírus, mas dos
que se descuidaram dele na China. E de nossos governantes de todos os tempos
que nunca ofereceram à população uma qualidade de vida sustentável.
Propor critérios de escolha de quem vai morrer quando os recursos técnicos são limitados tem mostrado a ideologia corrente,
mesmo entre os médicos que juraram perante Hipócrates defender a vida. Eu não
vejo outro critério senão a ordem de chegada. A não ser em última instância quando
a medicina já sabe que não tem saída e apenas pode fazer o que costuma fazer
nos hospitais particulares, ficar ganhando tempo e dinheiro. Fora disto deve
valer a precedência. No caso brasileiro, onde a igreja impediu políticas
saudáveis de conscientização, proliferam os jovens sem amparo familiar e jogados
à falta de oportunidades de trabalho, que vão custar muito mais caro à
sociedade nos critérios frios da economia, enquanto os idosos estão cobrando o
que pagaram em impostos e contribuições
durante uma vida, do tempo que havia emprego e sistema de previdência razoavelmente
financiados. Não pode haver escolha da
inspiração darwiniana.
Nem vou discutir a necessidade,
por falta de recursos técnicos, do distanciamento social e do isolamento, tão
desumanos, mas sem alternativas, exceto para super-homens como o capitão
presidente (que por dever moral de seu cargo público, tinha de divulgar o
resultado de seu teste, embora certamente fosse gerar mais discussões sobre a
credibilidade do resultado).
Quanto ao futuro, existe um amplo
leque de crenças e expectativas, mas tudo depende de nossa visão mais otimista
ou pessimista do que pode o ser humano.
Por fim eu penso em quem vai me
devolver o outono carioca, a época mais linda da cidade, com seu clima ameno,
suas festas juninas, suas praias menos cheias, seu por de sol confortado, sua
música contagiante, suas tribos, sua diversidade, sua alegria?
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