Apoio a publicação do desabafo de Isabel do Volei, que acaba de falecer, ifelizmente
DESABAFO, ISABEL.
"Meu nome é Isabel, joguei vôlei na seleção brasileira, representei
o Brasil por muitos anos. Resolvi escrever essa carta aberta, não para falar de
esporte, mas para falar da cultura, porque acredito que só pude ser a jogadora
que fui e a pessoa que sou graças aos filmes que vi, aos livros que li, às
músicas que ouvi, às histórias que minha avó me contava. Minha mãe era
professora e escritora, amava os livros, adorava música, e foi ela quem me
apresentou a Chico Buarque, Caetano, Cartola, Luiz Melodia, entre tantos
grandes compositores brasileiros. Lembro, quando chegava do treino muito
cansada, que me deitava no sofá e ela me falava dos poetas que amava: Bandeira,
Joao Cabral, Cecília Meirelles, Drummond…. Hoje tenho certeza que aquela
atmosfera foi muito importante na minha formação.
Quantas vezes, ouvindo e dançando as músicas de Gilberto Gil com
Jacqueline, a grande campeã Olímpica, comemoramos vitórias e tentamos esquecer
a dor de algumas derrotas. Lembro também do impacto que senti, aos 18 anos,
quando assisti ao filme “Tudo Bem”, de Arnaldo Jabor, com a incrível Fernanda
Montenegro e um elenco de craques. Aos 17, assisti “Trate-me Leão”, peça que
inspirou toda uma geração. Quantas vezes, os livros me transportaram para
outros universos e me permitiram aliviar as tensões das quadras.
Pois é, depois de um ano de governo Bolsonaro, preciso expressar meu
horror com o que tem acontecido com a cultura. É muito duro ouvir os insultos
que foram proferidos contra Fernanda Montenegro; ver Chico Buarque ganhar o
prêmio Camões, maior prêmio da língua portuguesa, sem que o presidente
cumprimente ou comemore o feito; testemunhar a morte de João Gilberto, um dos
maiores compositores brasileiros sem que nenhuma homenagem tenha sido feita
pelo governo. É estarrecedor saber que nosso cinema é premiado lá fora e
atacado aqui dentro; ver o ataque brutal à casa de Rui Barbosa, com as
exonerações dos pesquisadores que eram a alma e o coração daquela instituição.
E como se não bastassem esses exemplos de barbaridade, assistimos ainda o
constante flerte do governo com a censura.
Essa carta é só pra dizer que eu me sinto muito ofendida, senhor
Bolsonaro. Não sou uma intelectual, sou uma cidadã brasileira que acredita que
a cultura é essencial para qualquer pessoa.
Ela só existe ser for plural, em todas as formas de expressão. Por meio
dela, formamos a nossa identidade.
Se esse governo não gosta do nosso cinema, da nossa música, dos nossos
escritores, eu quero dizer que eu e uma enorme parte dos brasileiros gostamos.
Não aguento mais assistir a tantos absurdos calada. Vocês estão
ofendendo uma grande parcela do povo brasileiro.
Aprendi no esporte que é fundamental respeitar as diferenças e saber que
elas são enriquecedoras em todos os aspectos. Aprendi que é fundamental
respeitar os adversários , e não tratá-los como inimigos.
Compreendi, vivendo no esporte, o quanto é importante ser democrático.
Inspire-se no esporte, senhor presidente!
O senhor foi eleito democraticamente. Governe democraticamente, e não
apenas para quem pensa como o senhor. Hoje eu pensei muito nos rumos da
cultura, porque lembrei da minha querida avó, que me levava, quando menina,
para passear nos jardins da casa de Rui Barbosa…”
Isabel Salgado
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